Acampamento Terra Livre 2024
Luiz Tukano
Hamyla Trindade

A tenda principal do ATL 2024 antes da mesa “AGSUS: Entendendo os riscos para não haver retrocessos”. Foto: Luiz Tukano

Em 2004, quando acamparam na Esplanada dos Ministérios e ocuparam o salão verde do Congresso Nacional, os povos indígenas que ali estavam inauguraram um marco no Movimento Indígena. No ano seguinte, eles voltam a acampar na Esplanada. Nesse momento é criado o ATL (Acampamento Terra Livre) e é estabelecida formalmente a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Desde então, os povos indígenas do Brasil se reúnem, anualmente em abril, no ATL, que aldeia a Esplanada dos Ministérios. Em 2024, entre os dias 22 e 26 de abril, ocorreu o vigésimo Acampamento Terra Livre, a maior manifestação indígena do país.

Filmagem de Luiz Tukano

Na abertura do ATL 2024, a APIB lançou a Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado, que traz 25 demandas das comunidades indígenas ao Estado brasileiro. Há demandas a todos os três poderes. Por exemplo, ao Executivo pedem demarcação de 23 Terras Indígenas, além da demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB) ; ao Legislativo demandam a retirada da tramitação e arquivamento definitivo de PECs que desconstitucionalizam os direitos indígenas ; e ao Judiciário exigem a inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 e o fim do Marco Temporal.

Tenda da COIAB. Foto: Luiz Tukano

O Coletivo Brasil, para fechar o seu Abril Indígena, condizente com seus engajamentos e por ser um espaço de construção coletiva do conhecimento, convidou Hamyla Trindade e Luiz Tukano, que já publicou sobre a COP28, a compartilhar conosco alguns de seus registros em vídeo e fotografia do ATL 2024.

Adereços indígenas. Foto: Luiz Tukano

As trajetórias de Hamyla e Luiz são paradigmáticas. A posição que eles ocupam e o currículo que têm é fruto de esforço pessoal e comunitário. Seus povos se organizaram, reinvindicaram e obtiveram vagas nas universidades, criaram suas instituições e ocuparam espaço no Estado. Ambos, por sua vez, se qualificaram e trabalham em prol da coletividade indígena. Desse modo, cuidam de suas comunidades.

Filmagem de Luiz Tukano

Nascida em São Gabriel da Cachoeira (AM), Hamyla Trindade é indígena do povo Baré, é graduada em Enfermagem pela Universidade do Estado do Amazonas, é especialista em Pneumologia Sanitária pela Escola Nacional de Saúde Pública- FIOCRUZ, mestre em Saúde Pública pela pela Fundação Oswaldo Cruz - Instituto Leônidas e Maria Deane (FIOCRUZ AMAZÔNIA) e é doutoranda do Programa Vigifronterias-Brasil/FIOCRUZ. Atualmente, Hamyla trabalha na SESAI (Secretaria de Saúde Indígena).

Filmagem de Luiz Tukano

Dentre uma miríade de outras coisas, Luiz Tukano é um exemplo e personificação da luta indígena. Nascido em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, ele é formado em biologia pela Universidade de Brasília, é mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz - Instituto Leônidas e Maria Deane (FIOCRUZ AMAZÔNIA) e é doutorando em Epidemiologia em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública. Além disso, é Conselheiro Nacional de Saúde e gerente de Projetos da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Hoje, Hamyla Trindade e Luiz Tukano fazem parte da linha de frente da resistência indígena no campo da saúde.

Luiz Tukano durante a mesa “AGSUS: Entendendo os riscos para não haver retrocessos”. Foto: Hamyla Trindade

No ATL 2024, Luiz Tukano participou da mesa “AGSUS: Entendendo os riscos para não haver retrocessos”. Conselheiro da COIAB, ele deixa claro que o tema é importante para a Coordenação. Dos 34 DSEIs (Distrito Sanitário Especial Indígena), 25 ficam no território em que atua a COIAB. O DSEI é um modelo de organização que contempla um conjunto de atividades técnicas, promove a organização da rede de saúde e, importante salientar, conta com Controle Social. E Tukano não deixa de enfatizar a importância da participação dos povos indígenas na implementação do sistema de saúde indígena.

Acampamento Terra Livre 2024. Foto: Luiz Tukano

Filmagem de Luiz Tukano

A SESAI é a responsável pela coordenação e a execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Os DSEIs fazem parte da estrutura da SESAI. Na ponta do sistema estão as empresas conveniadas com os DSEIs. São essas empresas que contratam parte dos profissionais de saúde que atendem nas unidades básicas de saúde indígenas e nos polos base.

Tenda da COIAB. Foto: Luiz Tukano

Luiz Tukano reforça que o governo deve ter uma atenção maior com os povos indígenas amazônicos. Há hoje foco na crítica situação dos Yanomami, porém ela infelizmente não é a única. O garimpo já avança sobre os territórios dos povos Munduruku e Kayapó. Há denúncias de indígenas desses povos contaminados com mercúrio. Daí a importância de fortalecer a SESAI. É nesse contexto que Tukano discorre sobre suas preocupações com a AgSUS.

Luiz Tukano na Plenária “AGSUS: Entendendo os riscos para que não haja retrocessos”. Fonte: APIB

É por isso que recomendamos para a AgSUS, juntamente com a SESAI (Secretaria de Saúde Indígena), que faça o que eles não fizeram quando criaram a lei: que é dialogar com os povos indígenas. Infelizmente, foi uma lei criada sem o nosso consentimento (Luiz Tukano)

Marcha “Nosso Marco é Ancestral, sempre estivemos aqui”. Foto: Hamyla Trindade

A AgSUS (Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde) foi estabelecida por meio do Decreto presidencial de nº 11.790, de 20 de novembro de 2023. É, portanto, uma criação do governo Lula, supostamente comprometido com a causa indígena . Contudo, como salienta Luiz Tukano e a APIB, a AgSUS não contou com a participação dos povos indígenas em sua criação. Ora, como uma “pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública” e que “tem como finalidade promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena, nos diferentes níveis, e da atenção primária à saúde, em caráter complementar e colaborativo com a atuação dos entes federativos”, não consultou os povos indígenas ao ser estabelecida ? É essa tutela colonialista que denuncia Tukano. Como ele bem afirma, as organizações indígenas não são contra a AgSUS, mas elas demandam que os povos indígenas sejam também ouvidos. É por isso também que é necessário fortalecer a Bancada do Cocar na Câmara.

Representantes do Movimento da juventude indígena de Rondônia na tenda da COIAB. Foto: Luiz Tukano

A terra está no centro das reinvindicações indígenas. O ATL 2024 tem como lema a frase “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui.” Em primeira leitura, essas palavras evidenciam a incongruência da Tese do Marco Temporal. Não há de se usar 1988 para marco na discussão sobre territórios cuja a posse e ocupação são seculares. Além disso, o lema também desvela que os povos indígenas resistem à conquista colonial portuguesa desde o século 16. Eles sempre ocuparam suas terras e lutam para defendê-las. E a essa luta dedicam a própria vida, como demonstram o assassinato de Nega Pataxó, na Bahia, em 2024 ; de Paulino Guajajara, no Maranhão, em 2019 ;entre outros .

Luiz Tukano e um representante da Associação Indígena Ka’aiwar. Foto: Luiz Tukano

Membro da Associação Indígena Ka’aiwar, Paulino Guajajara, assassinado em 2019 na Terra Indígena Araribóia, era um Guardião da Floresta. Paulino não foi o primeiro Guajajara a morrer por seu território, pois a resistência Guajajara é secular já que o primeiro contato registrado entre colonizadores e Guajajaras é de 1615. Ora, a TI Araribóia – ocupada pelos Awa Guajá, os isolados e os Guajajara – foi demarcada e homologada em 1990. Após 29 anos da demarcação, ainda há indígenas sendo mortos para garantir seus direitos territoriais. Os indígenas não deixaram de ser violentados em seus direitos nem mesmo com o reconhecimento estatal da posse da terra. Em 2023, o TR-1 determinou que um dos assassinos de Paulino vá ao Tribunal de Juri.

Guardiões da Floresta, Terra Indígena Araribóia. Foto: Luiz Tukano

Marcha “Nosso Marco é Ancestral, sempre estivemos aqui”. Filmagem de Hamyla Trindade

Na quinta-feira, dia 25, milhares de indígenas se reuniram na marcha “Nosso Marco é Ancestral, sempre estivemos aqui”. É mais uma resposta dos povos indígenas à tese do Marco Temporal, que foi aprovada no Congresso Nacional na Lei no 14.701/2023. Os indígenas em marcha lutam pela terra, saúde e educação ; querem que o governo reconheça e garanta seus direitos, e exigem que sua presença imemorial nesse território seja reconhecida. Como coloca o imortal Ailton Krenak, o futuro é ancestral !

Marcha “Nosso Marco é Ancestral, sempre estivemos aqui”. Foto: Hamyla Trindade